Ser um leitorx

A FLOR LITERATURA

Written by Helton Bezerra

Olá, tudo bem? Mais um texto de nosso amigo e colaborador do Sebo Paulistano, Rodrigo Vinicius

A Flor Literatura

A folha em branco vê nascer como uma flor cada letra. A primeira flor se espalha em seu perfume e pólen fazendo nascer as outras flores deste vasto jardim. Há, contudo, como diz Mallarmé uma flor oculta no buquê. O sentido é o delicado perfume que não está na flor em si, mas que nela se torna manifesta. O papel do escritor/poeta é evocar das brumas xamânicas a alquimia das palavras. O escritor/poeta é a terra fértil onde germina o jardim. Por tudo isso Guimarães Rosa dizia que o oficio do escritor é um oficio alquímico. Heidegger dizia que a morada do homem é a linguagem.

Assim podemos observar como em Tolstói o mel selvagem da vida se manifesta em suas obras na qualidade reflexiva de um girassol. Sua escrita busca constantemente a luz solar entretida como um broto que se desenvolve. Dostoiévski por outro lado tem um organismo mais acostumado ao duro inverno e a uma alimentação menos nutritiva e grosseira. Tchekhov com sua sensibilidade aguda é feito flor rara que germina fora da primavera trazendo alento aos olhos enfermos.

Uma pergunta: Como se constitui a literatura dentro do ser humano?

Mallarmé dizia que a “alma é um nó rítmico” e que “o verso é tudo, toda a literatura.” Com isso Mallarmé traz consigo a antiga tradição dos poetas do tempo onde tudo se compunha na musicalidade da natureza. Não havia a prosa, pois tudo era poesia. Receita médica se escrevia em versos, citação jurídica se escrevia em versos. É certo, porém, que em algum momento a prosa nasceu. E nasceu como outra variante do mesmo fenômeno. No homem um movimento novo estava ensaiando sua dança. Uma música estava brotando no mundo. Uma nova qualidade estava desabrochando nos olhos do ser humano.

A literatura é o esforço de comunicar e criar mundos possíveis. A literatura é um símbolo vazio que sinaliza e convida o homem a viver a experiência interna que o símbolo sugere. Por isso o filósofo brasileiro Mário Ferreira de Almeida dizia – “a linguagem dos deuses é simbólica.” Ele não está longe do ensinamento de tradições como a cabala, a gnose, o sufi, o zen, o tao, o budismo, o cristianismo. Nem está longe, a meu ver, de Aristóteles, pois o filósofo grego via na poética o caminho catártico, ou seja, o caminho onde a literatura criava uma atmosfera para a purificação e manifestação no homem de seu próprio organismo. Com isso a literatura, embora tingida de real na concretude e carnalidade das palavras trazia consigo um vazio e um movimento criativo. A literatura era vida em abundância.

A literatura como um transbordamento no homem de forças internas tornou a vida mais abrilhantada, como se em cada flor o orvalho lhes desse uma coloração mais vívida. Com isso a literatura se aparenta ao abismo e ao céu. Cresce rumo ao grandioso e se ergue a partir do abismo. É um nascimento de dentro para fora. Por isso é tão difícil e estéril tentar separar a vida e a obra dos escritores. Fazer isso é como dissecar uma flor que foi arrancada do solo. Ela está morta. O segredo de sua beleza não pode ser contemplado. Seu mistério foi violado. Seu mistério só pode ser entregue no amor, nunca pode ser tomado. É um encontro no silêncio. Numa qualidade perceptiva. Concordo com o poeta John Keats quando ele diz que a poesia nasce de um movimento de autoconhecimento. Acontece no homem quando algo amadurece nele em forma de linguagem. Então é chegado o tempo da colheita e a celebração pode ser compartilhada com os vizinhos, amigos e familiares. A literatura é a comunhão a partir da linguagem. Por isso nem só de pão vive o homem, mas também de palavra.

Com isso a leitura se torna uma forma criativa de cultivar a si mesmo, mas também uma forma de silêncio, de contemplação, na qual a vida acontece em harmonia, sem a utopia da mente ou a fantasia das emoções, mas na selvageria de seu organismo que reúne e completa o sentido das oposições. Ali o homem pode aprender a despertar e abrir os olhos para o sútil. Ali o homem pode colher no aroma o mel da flor. Assim a aventura da existência se comunica e transborda convidando cada um de nós a sermos criadores. Um mundo de seres criativos, eis ao que almeja a literatura. Um mundo de seres Conscientes, amorosos, despertos para a experiência do AGORA. Porque em toda flor está o JARDIM. Assim como em você está todo o UNIVERSO. Para isso é preciso abrir os olhos e ver.

Estou com Nabokov quando ele diz:

“Naturalmente, por mais que um conto, uma composição musical ou um quadro seja discutido e analisado com sutileza e talento, haverá mentes que permanecerão desinteressadas e espinhas dorsais, insensíveis. Assumir o mistério das coisas – é o que tão nostalgicamente o rei Lear diz para si e para Cordélia – e essa é também minha sugestão para quem quer encarar a arte com seriedade. Um homem pobre tem seu casado roubado (O capote, de Gógol), outro infeliz é transformado em besouro (A metamorfose, de Kafka) – e daí? Não há resposta racional para “e daí?”. Podemos desmembrar o conto, ver como as partes são costuradas; mas você precisa ter alguma célula, algum gene, algum germe que vibre ao reagir a sensações que não é capaz de definir ou de descartar. Beleza mais compaixão – isso é o que melhor se pode dizer ao buscar definir a arte. Onde há beleza há compaixão pelo simples motivo de que a beleza deverá morrer: a beleza sempre morre, o estilo morre com a matéria, o mundo morre com o indivíduo. Se A metamorfose de Kafka impressiona alguém como sendo algo mais que uma fantasia entomológica, eu me congratulo com tal pessoa por haver entrado para as fileiras dos bons e grandes leitores.”

A flor literatura desperta no leitor o criador. Mas é preciso antes cuidar do terreno, torna-lo mais receptivo às flores. Ler é uma arte, assim como escrever. Parte está na prática, mas seu segredo está guardado ao coração que se expande no amor ao BELO, assim como a abelha ama a flor e através dela faz nascer o doce mel.

Um forte abraço, Helton

Sebo Paulistano. Seu sebo online. Seus livros usados online.

About the author

Helton Bezerra

Leave a Comment