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A Sombra Acolhedora da Literatura – texto de Rodrigo Vinicius para o Sebo Paulistano

Written by Helton Bezerra

Olá, tudo bem?

Quero muito apresentar o psicólogo, filosófo e também amante da leitura, Rodrigo Vinicius da Silva. Vinicius é o nosso mais novo integrante do blog, que, depois de longas conversas, aceitou este espaço para publicação de seus textos.

Nós do Sebo Paulistano só temos a agradecer!!!! Estamos em festa! Depois conte-me o que achou deste texto

Um abraço, Helton

A Sombra Acolhedora da Literatura

Uma aventura com Níkos Kazantzákis.

A literatura transforma o homem. Conduz em seu interior uma chama incandescente que ilumina o seu interior, desnuda sua exterioridade e revela sua fisionomia. Desde a antiguidade grega que a voz da literatura esteve aliada na força simbólica da Musa, filha da Memória, com Zeus, a Ordem. O inicio da literatura Ocidental se dá, segundo os especialistas e estudiosos, através do busto imponente de Homero, que para além das controvérsias de sua existência, deu-nos em todo caso duas obras magnificas, a Ilíada e a Odisseia.

A Ilíada, obra robusta, onde se narra com a força da Musa o transbordamento do herói Aquiles, que abandonando a Guerra de nove anos travada entre Gregos e Troianos, com sua ausência dá medida a obra, marca o desaguar de uma percepção que acompanhará a literatura: a trajetória do herói.

Na Odisseia a trajetória do herói, aqui não mais Aquiles, mas Odisseu, ou Ulisses na tradição latina, representa uma iniciação, tal como Psique em Apuleio, quando se vê em busca de Eros, o Amor. Vemos, portanto, desde a antiguidade a força da literatura se erguer com sua fisionomia metafísica e simbólica encarnada no mito do herói.

Joseph Campbell em sua obra magna – “O Herói de Mil Faces”, demonstra com invulgar propriedade a força do mito, seguindo por sua lógica as ideias de Carl Gustav Jung, que o herói encarna um valor psicológico que a literatura abarcara como parte de seu organismo interno.

Para nós, os leitores, seja de que frondosa sombra nos encontremos, seja recostados na sombra de uma literatura grega, latina, francesa, inglesa, alemã, russa ou brasileira, é fato notório que a literatura tem o potencial de nos transformar. E é para falar sobre isso que gostaria de falar de Níkos Kazantzákis.

Níkos Kazantzákis nasceu na capital da ilha de Creta, em 1883, então possessão do Império Otomano, que vinha dominando a Grécia desde o século XIV. Tal dominação marcará a vida do escritor, que em 1953 publica a obra – “O Capitão Mihalis: Liberdade ou Morte”, na qual veremos a resistência dos cretenses e sua revolta contra o Imperador turco.

Níkos, segundo nos parece, teve uma vida marcada pela figura da liberdade. Liberdade há um tempo política, de pensamento, mas, acima de tudo, uma liberdade metafísica. Uma busca constante que marca sua obra. Nela o mito do herói encarna nas figuras de Cristo (“O Cristo Recrucificado”), em Mihalis (“O Capitão Mihalis: Liberdade ou Morte”), em Francisco (“O Pobre de Deus”), e por fim, no personagem que marcou a sua vida e a vida de inúmeros leitores mundo a fora, Zorba (“Zorba, o Grego”). Como o próprio Níkos diz em “Relatório ao Greco”:

“Durante toda a minha vida, meus dois grandes benfeitores foram as viagens e os sonhos; dentre os homens, vivos ou mortos, foram poucos os que me ajudaram em minha luta. Porém, se eu quiser distinguir os homens que deixaram suas pegadas profundamente impressas em meu espírito, poderia, quem sabe, apontar Homero, Buda, Nietzsche, Bergson e Zorba. O primeiro sempre representou para mim o pacífico olho iluminado, como o disco solar, que ilumina tudo com uma luz libertadora; Buda, o profundo negro olho onde o mundo se afunda e se liberta; Bergson trouxe o alívio para algumas insolúveis perguntas filosóficas que me torturavam na juventude; Nietzsche me enriqueceu com novas angústias e me ensinou a transmutar a infelicidade, a dor, a incerteza em altivez; e Zorba me ensinou a amar a vida e não ter medo da morte.”

Níkos ainda gravou como epitáfio para seu túmulo a frase lapidar que aparece em sua obra póstuma (“Ascese”) e que revela a plenitude de seu pensamento – “Não creio em Nada. Não espero Nada. Sou livre.”.

A aventura de ler Níkos Kazantzákis está justamente nesta busca pela liberdade. Cada leitor encontra nas frases profundas, líricas, cheias do vigor dionisíaco, como dizia Nietzsche, a beleza dessa busca, que foi amplamente representada na literatura, mas que em Kazantzákis se revela de tantas formas, como um diamante de inúmeros prismas. Uma aventura existencial em busca de uma compreensão mais vasta sobre o coração humano e seu lugar no Cosmos.

De Nietzsche a altivez grandiosa, de Homero o olhar revelador, de Buda a assimilação da substância do mundo, que se liberta, em Bergson – a maturidade do pensar filosófico, em Zorba, a alegria, a forma dançarina de viver e amar a vida. Em cada um desses “heróis”, guias da luta de Níkos, os caminhos de sua obra. Seu metabolismo interno se exterioriza.

Por fim temos a faceta de tradutor, pois Níkos dedicou a vida a traduzir Bergson (“O Riso”), Nietzsche (“A Origem da Tragédia”, “Assim falou Zaratustra”); verteu para o demótico a “Divina Comédia”, de Dante, depois o “Fausto”, de Goethe, e por fim, a “Ilíada” e a “Odisseia”, de Homero. Teve que traduzir a “Ilíada” e a “Odisseia”, visto que o grego antigo (ático) não é mais usado na Grécia Moderna, de modo que um grego hoje teria que estudar o grego ático, tal como se fosse uma língua estrangeira. Não bastasse todo esse rico acervo de obras escritas e traduzidas, Níkos ainda tinha a ambiciosa ideia de escrever a seu modo a Odisseia. Ideia que pôs em curso e se tornou o poema grego moderno aclamado, e que infelizmente ainda não encontra versão traduzida em português, exceto por alguns trechos traduzidos por José Paulo Paes, na coletânea de “Poesia Moderna da Grécia”, pela editora Guanabara.

O círculo se fecha. A literatura revela ao homem sua medida e o convida a viver a aventura existencial com a altivez de um herói. Cabe a cada um seguir seu caminho, cultivar, viajar em suas ondas, com o cabelo ao vento, o peito lançado corajosamente. A vida está ali em todo lugar a espera de cada um de nós, convidando-nos a sermos heróis de nosso próprio drama existencial.

 

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Helton Bezerra

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